Batuque Diferente

Direção: Sérgio Roizenblit
Gênero: Série Documental
Idioma: Português
Duração: 42

Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas, jamais será um povo livre.  Assim, Plínio Marcos (1935-1999) introduz a canção Brasil recebe o mundo de braços abertos, clássico do samba paulista composto e interpretado por Zeca da Casa Verde, que abre o Lado B do histórico disco Plínio Marcos em Prosa e Samba, com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro – Nas Quebradas do Mundaréu, de 1974; permanecendo com seu potencial de documento histórico e influenciador cultural intactos.

Autor de clássicos do teatro brasileiro, como Dois Perdidos numa Noite Suja (1966) e Navalha na Carne (1967), o santista Plínio Marcos era um apaixonado pelo samba e, mais precisamente, pelo samba paulista.

Essa é também a intenção de Batuque Diferente, 50 Anos das Quebradas do Mundaréu série documental para TV, que irá contar a história e as circunstâncias da produção do disco e seus personagens e, por meio delas, dar visibilidade ao fenômeno cultural registrado por Plínio: o samba de São Paulo. Um estilo musical único, próprio, que teima em permanecer invisível, e cuja força e originalidade continuam a ser  subestimados no cenário da música brasileira e ignorados pelo grande público, e cuja pertinência como fenômeno social, político e cultural permanece, em múAmar e preservar o samba de caráter único produzido em São Paulo, por meio de três de seus principais compositores e intérpretes, foi, não há dúvida, a intenção de Plínio com o álbum, que completa 50 anos em 2024, e foi o ponto culminante de uma série de intervenções culturais realizadas pelo dramaturgo, ator e agitador cultural em torno e em prol da batucada paulistaltiplas formas, viva e vibrante hoje.

O samba de São Paulo vinha do interior, vinha dos terreiros de café, era o samba batuque, o samba de trabalho, o samba do toco“, define Plínio Marcos esse gênero musical singular e, ainda hoje, praticamente desconhecido. 

O disco trouxe à tona as origens e histórias do samba de São Paulo, recuperando as tradições africanas e como elas se fizeram presentes na cena paulista: como o batuque de umbigada, o congado, o reisado, as pernadas e os jongos, de matriz angolana e linhagem bantu, praticadas por escravizados e ex-escravizados nos terreiros das fazendas de café do interior do estado e que se aglutinavam nos barracões nas romarias em Pirapora do Bom Jesus, na região metropolitana de São Paulo — cantadas, no disco, por Toniquinho Batuqueiro. E ainda a tiririca, a capoeira de São Paulo, mais gingada e musical, embalada pelo batuque alucinante dos engraxates na região da Sé e no finado Largo da Banana, ponto de encontro da negritude e berço do samba paulistano, e que hoje jaz sob o Viaduto do Pacaembú, na Barra Funda — imortalizados, no disco, por Geraldo Filme. 

Plínio Marcos via a arte como experiência vivida — “Eu conto história das quebradas do mundaréu, lá de onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos” —, de natureza verdadeiramente popular e como ato de afirmação e resistência cultural, em embate contra uma visão intelectualizada e elitista da cultura, além da invasão da produção cultural estrangeira. E lutava para que a arte proporcionasse sustento e um meio de vida digno para artistas que ele aglutinava em seu entorno — que eram, via de regra, excluídos economicamente e marginalizados socialmente.

O disco moveu os olhares e ouvidos para toda uma geração de batuqueiros, compositores e intérpretes que atuavam em São Paulo nos anos 70, mirando não apenas a riqueza rítmica e propriamente musical dessa produção, mas também para os territórios onde aconteciam os batuques e as condições de vida de uma população majoritariamente negra, alijada não apenas das condições mínimas de cidadania, mas também do reconhecimento do papel grandioso de sua arte. Ao pedir passagem e licença, à velha guarda de bambas, para o batuque feito em São Paulo, na fortíssima e belíssima introdução narrada que abre o disco, Plínio tinha sobretudo isso em mente: o reconhecimento da força e legitimidade cultural de um estilo original — o samba paulista — e a visibilidade e valorização da sua gente: os batuqueiros da metrópole, em livre trânsito com os batuqueiros do interior do estado.

Meio século depois, Batuque Diferente, 50 Anos das Quebradas do Mundaréu renova e amplia essa proposta, apostando na força do audiovisual para levar a mensagem do disco às novas gerações. E pretende fazer isso recuperando a história do estilo, dos sambistas e batuqueiros e dos fenômenos culturais que os antecederam, tornando-o possível; e, a partir daí, seguindo o caminho aberto por Plínio, indo atrás do batuque, seguindo a sua trilha, no interior do estado e nas quebradas da capital, até os dias de hoje, para registrá-lo vivo e vibrante por meio de uma miríade de batuqueiros e uma multiplicidade de desdobramentos e estilos, que marcam a produção musical contemporânea e a cena de São Paulo.